04 de setembro de 2024

O que tem pra hoje?
O que tem pra hoje?
04 de setembro de 2024
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Todos os dias eu tenho a nítida impressão de que estou sendo feito de trouxa. Acho que não estou sozinho.

Hoje eu acordei com a notícia de que a minha assinatura do Mercado Livre (que dá acesso a Disney plus e garante frete grátis para compras acima de determinado valor) vai aumentar de preço.
Daí eu te pergunto: se eu já acordei com essa, o que tem pra hoje?

Essa história já está ficando batida. Começa com uma empresa oferecendo um produto em uma oferta bastante sedutora. Pode ser um preço bem baixo, uma comodidade que os concorrentes não estavam acostumados ou então alguma funcionalidade que acabe colocando o produto num patamar bem superior aos seus concorrentes.

Você se lembra quando Uber começou a operar no Brasil? Eu me lembro. Fui convidado a experimentar o serviço em um evento em fevereiro de 2015. Lembro que àquela época eu já havia lido sobre a empresa e sua atuação em diversas cidades dos Estados Unidos.

O carro que eu peguei em minha primeira era um sedã de último tipo, com bancos de couro e tudo o mais. Era um serviço de luxo sendo oferecido por um preço mais baixo que o de uma corrida de taxi aqui em BH.

Conversando com os motoristas tanto no trajeto de ida quanto na volta para casa, eles me falaram que estavam conseguindo lucrar bastante com aquele trabalho. Apenas elogios.

O tempo foi passando e a gente foi se acostumando a usar Uber como uma alternativa a Taxis em cada vez mais cidades. Mais motoristas começaram a participar e, com isso, o serviço foi se tornando cada vez mais parte de nossa rotina. Houve quem dissesse que um dia os taxis acabariam e só teríamos Uber na rua.

Hoje, a experiência de fazer um percurso usando Uber não é mais como em 2015. O padrão dos carros mudou, novos tipos de serviços foram adicionados e se eu quiser uma corrida em um sedã de úlktimo tipo, terei que pagar mais. O preço por cada corrida também mudou. Hoje usar Uber não significa mais que o seu trajeto será mais barato do que o trajeto de taxi. Pelo menos não tão mais barato como era.

Outra coisa que mudou radicalmente é o quanto o motorista vinculado a esta empresa ganha pelas corridas. Se lá em 2015 o motorista se gabava do quanto ele conseguia ter como rendimento trabalhando dessa forma, hoje a coisa é outra. Os motoristas precisam rodar muito mais por dia para poderem arcar com os custos envolvidos com a atividade. Rendimento, mesmo… muito pouco.

O que acontece com a minha conta (que muito provavelmente em breve cancelarei) no Meli+ e o que acontece com o motorista que trabalha com o Uber tem relação e se chama enshitification. O nome é bonitinho (porque é em inglês) mas a tradução é bem mais explicativa para nós brasileiros: merdificação.

Este conceito é bem interessante e vem sendo trabalhado por seu criador e ativista da internet Cory Doctorow. Empresas, depois de conseguirem uma participação de mercado que as coloque em situação confortável, reduzem a qualidade da sua oferta. Em outras palavras, depois que o produto passa a ser amplamente utilizado, ele acaba ficando pior. Mas perceba: o produto não fica pior porque tem mais gente usando. Ele fica pior porque a empresa decide piorar o produto para maximizar seus lucros.

O conceito não é exatamente novo. A abordagem com o universo da tecnologia é que é bem nova e a sacada do Cory Doctorow é excelente por causa disso.
Na economia este conceito se chama Dumping e explica a prática de uma empresa (normalmente uma grande empresa que está entrando em um mercado novo) de praticar preços mais baixos que os de custo de forma a assegurar um futuro monopólio. Quando este monopólio é assegurado, os custos em operar abaixo da linha da lucratividade num momento inicial são revertidos e quem paga a conta é o consumidor.

Enshitification tem muito a ver com Dumping porque também se relaciona com monopólio. Uma empresa, digamos… uma ferramenta de busca ou uma plataforma de compartilhamento de fotos, por exemplo, lançam seus produtos com qualidade superior à de seus concorrentes. Oferecem experiências bacanas para as pessoas que passam a usar estes novos serviços deixando os concorrentes de lado. Uma vez que muitas pessoas estão usando o produto, as empresas atraem parceiros (que podem ser anunciantes) para participarem do processo. A estes parceiros a oferta também é tentadora. Se para usar o serviço as pessoas não pagam nada e tem acesso a uma boa experiência como contrapartida, para os parceiros, os anúncios são baratos e eficientes. Um anunciante pode alcançar muitas pessoas com sua mensagem em uma plataforma boa desse jeito.

Daí, quando a plataforma (seja ela de busca ou um serviço de compartilhamento de imagens) ganha praticamente plena adoção de usuários e empresas, chega a hora de pagar a conta. A qualidade do serviço diminui, o preço do anúncio fica mais alto e a vantagem que antes usuários e parceiros enxergavam em usar a plataforma desaparece. Você pode ter um vislumbre daquilo que um dia foi se pagar uma alta monta de dinheiro para impulsionar postagens ou anunciar na plataforma, por exemplo.

Esses três passos são o que Cory Doctorow descreve como enshitification ou merdificação. O que eu expliquei aqui em poucas palavras é apresentado em detalhe e com muito mais autoridade pelo próprio Cory Doctorow em uma apresentação que ele fez na DefCon 31, que aconteceu no ano passado. Este vídeo com a fala do Cory Doctorow é a minha primeira recomendação de hoje. É uma fala muito importante para entendermos a merda em que estamos afundados.
Não tenho dúvidas de que a experiência com Uber, com o mecanismo de buscas e com a plataforma de compartilhamento de fotos que mencionei aqui se enquadram perfeitamente no conceito de merdificação. Estamos vivendo isso em vários sentidos, com relação a vários serviços que usamos em diferentes aspectos de nossas vidas.

O que tem pra hoje, então é que, enquanto não fizermos nada, estaremos afundados nessa merda. Não há eufemismos para isso. A gente precisa se lembrar que existem opções para todos estes serviços que a gente usa e que estamos notando que estão ficando piores.

Certamente existem diversas opções ao Uber, incluindo aquelas que não remuneram tão mal os motoristas. Elas podem ser menores, podem ser as cooperativas de taxi, pode ser uma empresa com um modelo de negócio novo que ainda nem decolou, mas ela existe e quando a gente puder, a gente deve usar a alternativa e incentivar seu crescimento na luta contra a empresa grande que quase virou um monopólio.

O mesmo vale para o mecanismo de busca e para a plataforma de compartilhamento de imagens. Há alternativas e podemos usa-las. Achar que a solução monopolística é a única viável não é uma boa. Em primeiro lugar porque ela não é a única solução viável. Em segundo lugar porque se abrirmos mão de usarmos as alternativas, jamais escaparemos das garras daqueles que estão tornando tudo pior pra gente e ainda, não daremos espaço para ninguém crescer. Nesse sentido há até um movimento de startups bem interessantes que, ao invés de se colocarem como futuros unicórnios, elas se colocam como zebras, porque a ideia delas não é a de crescer indefinidamente e se transformarem em gigantes. a ideia é a de apenas resolver problemas das pessoas e sobreviver com segurança. Sobre as zebras eu posso falar outro dia. Vamos começar a caminhar para o fim deste áudio que já está ficando muito longo…

Minha meta para fazer este encerramento é apresentar as duas próximas recomendações bem rapidamente, mas não menos importantemente.
Nesse sentido a segunda recomendação que faço é o livro do Cory Doctorow em que ele traça o plano sobre como vamos retomar o controle de nossas vidas digitais e sairmos dessa posição de reféns de poucas empresas. O livro se chama The internet con. É uma leitura relativamente rápida e repleta de detalhes e aspectos históricos que vão ajudar muito a gente a entender como os monopólios se desenvolveram. Por exemplo, foi lendo o texto do Cory Doctorow que eu descobri que o Yahoo Messenger e o MSN trabalhavam o padrão de mensagens XMPP, que era aberto e permitia a interoperabilidade. Isso foi bem bacana para integrar vários serviços. Até que as empresas decidiram fechar seus protocolos e isolarem seus serviços uns dos outros.

“Por qual motivo as empresas resolveram fechar seus serviços, Caio?” você pode me perguntar. A resposta é a minha última recomendação de hoje: a música Greed, do Fugazi. A música está no primeiro disco da banda, de 1990.

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03 de setembro de 2024

O que tem pra hoje?
O que tem pra hoje?
03 de setembro de 2024
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Sabe quando a gente entra no elevador e encontra alguém num contexto que há uma expectativa de interação? Se a gente não sabe o que falar, acaba fazendo qualquer observação sobre o clima e torce para que aquilo seja o suficiente para ocupar o tempo até que a viagem do elevador acabe. Né? O que tem pra hoje?

O que tem pra hoje é que está quente.
Só que nessa semana de setembro, na região sudeste do país, falar que está quente significa muitas coisas.
A gente está vivendo uma sequência de dias secos com temperaturas bastante altas que acabam vindo um pouco fora de hora, o que está causando uma série de problemas.

Mas não apenas isso. O clima está quente porque também estamos em período eleitoral e a disputa pelas prefeituras neste ano está pegando fogo. Falar, então, que o clima está pegando fogo pode ser algo bastante arriscado de se dizer num desses encontros de elevador.

Ainda assim, é o que tem pra hoje e eu vou falar disso porque precisamos conversar sobre a necessidade de sabermos navegar nesse mar de desinformação e cortes com falas descontextualizadas que estamos vendo o tempo todo e é isso que acaba embasando as decisões de muita gente na hora de escolher em quem votar.

É um assunto que dá quase tanto medo de falar quanto o calor e as mudanças climáticas. Só que precisamos falar de ambos.

Hoje, no entanto, o que tem pra hoje mesmo é o calor das discussões online e a fogueira da desinformação.

O contexto digital nos proporciona uma coisa muito legal que é o rompimento de um modelo unidirecional do fluxo de informações (principalmente notícias) que, na era da mídia de massa iam dos emissores (que existiam em pequena quantidade) em direção aos receptores (a massa). O digital transformou isso e agora temos múltiplos fluxos que vão em diferentes direções, uma vez que agora todos somos potenciais emissores e receptores ao mesmo tempo. Então os fluxos agora são de muitos para muitos. E são múltiplos fluxos. Uma confusão danada.

A gente foi vivenciando o desenvolvimento desse contexto tal qual um sapo em uma panela de água no fogão. A coisa começou a ferver e a gente não foi dando muita notícia. Agora a gente está a ponto de morrer cozido se não fizermos nada. Mas o que fazer? Eu vou dar aqui uma recomendação bem bacana de leitura que pode nos ajudar a enfrentar isso. O livro “Armas de destruição matemática” é um título muito importante escrito pela pesquisadora Cathy O’Neil. Infelizmente a tradução do título para o Brasil não ficou das melhores e o texto acaba se chamado “Algoritmos de destruição em massa“. Eu acho que esta tradução é inapropriada porque acaba por ajudar a distanciar a ideia do que são algoritmos das pessoas no geral. Mas enfim, né? Este texto da Cathy O’Neil é muito relevante porque ele trata de um aspecto bem importante referente à plataformização da comunicação que muito tem a ver com a disseminação de desinformação. A ideia de que as plataformas desempenham um papel muito importante no processo de disseminação de desinformação mesmo que este não seja a intenção inicial das plataformas. No entanto, a sua lógica de funcionamento acaba levando a este contexto.

Complementa a leitura deste texto o artigo “A relevância dos algoritmos“, do Tarleton Gillespie. Este texto também está traduzido para o português num trabalho muito legal dos professores Amanda Jurno e Carlos D’Andrea. Neste texto, Gillespie constrói uma descrição acertada de algoritmos que nos aproxima e facilita o entendimento do que Cathy O’Neil está falando. São informações que se complementam e que ajudam a gente a entender que os algoritmos são regras de trabalho das plataformas que servem a uma série de funções específicas isoladamente e, que, quando trabalhadas em conjunto, a gente tem máquinas de recomendação de conteúdo muito acertadas que acabam por estimular o espalhamento de conteúdos que não necessariamente se desdobrarão em ações coletivas muito felizes. Mas quanto a isso as plataformas não estão muito preocupadas; a função primordial de operar estes vários cálculos e regras é nos mostrar publicidade.

É angustiante, eu sei, mas saber como a coisa funciona é um primeiro passo para impedi-la de continuar funcionando. Nesse sentido a ideia é a gente tentar, individualmente, ser o ponto da rede onde uma informação errada para de circular. A gente precisa se educar novamente para aprendermos a consumir e circular conteúdos nas plataformas e fora delas. A gente precisa compreender que as máquinas de recomendação não se preocupam com a veracidade daquilo que estão recomendando, mas sim com a propensão das pessoas que verão aquelas postagens de ficarem mais tempo nas plataformas para verem publicidade.

Ou seja, para a gente, pessoas comuns, a disseminação de desinformação pode ter consequências catastróficas. Ainda mais em período eleitoral. Isso pode levar pessoas a votarem em gente que se dedica a enganá-las, colocando-se como a novidade e a anti-política ou o antissistema quando na verdade são justamente o contrário. Aqui, uma dica: a solução não está em se deixar levar pelo discurso antissistema ou antipolítica. A solução é justamente aprender e se informar para agir coletivamente e saber viver no contexto político.

O Instituto Palavra Aberta tem uma iniciativa bem legal nesse sentido que é o VAR – Verifique antes de Repassar. a ideia é super simples e é isso mesmo que você entendeu. Recebeu uma notícia? Qualquer notícia? Verifique se é real antes de repassar. Veja quem publicou e cheque quais são as credenciais desse veículo ou personalidade. Repasse apenas aquilo que tiver certeza que é verdade.

Nossa, muita coisa, né? Quase não está dando tempo de fazer outras recomendações. Mas eu não me sentiria bem se não as fizesse. Para dar uma relaxada e retomar as esperanças na humanidade, minha dica é voltarmos não 30 anos como ontem, mas sim 50 anos e irmos direto para 1974. Esse é o ano em que David Bowie lançou o disco Diamond Dogs, que tem a bela música Rebel Rebel. Este foi o ano em que o o Queen lançou seu segundo disco (Queen II) e que o Supertramp lançou o disco “Crime of the century” com a eterna música Dreamer. Mas o meu destaque para esta leva de recomendações é o quarto disco do Kraftwerk chamado Autobahn. Nossa, quanta coisa boa aconteceu em 1974, né? Meio século de excelentes canções.

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02 de setembro de 2024

O que tem pra hoje?
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02 de setembro de 2024
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Hoje é dia 2 de setembro de 2024. Eu sou o Caio e te pergunto: o que tem pra hoje?

Bem, por aqui, o que tem pra hoje é que estamos em 2024 e este é o ano em que vários discos muito legais estão celebrando 30 anos de lançamento. A minha recomendação inicial é um disco que comemorou seus 30 anos de lançamento no último dia 30 de agosto. Foi naquela data que o Bad Religion lançou um de seus mais importantes albums: Stranger than fiction. Este disco é primoroso e conta com, provavelmente a minha faixa favorita da história do Bad Religion: Infected. Este disco é muito bom e conta ainda com a 21st century digital boy, que é – talvez – uma das músicas mais marcantes da banda. Bem, o disco vendeu mais de 500.000 cópias nos Estados Unidos. Você pode ouvir este disco na íntegra aqui. Quem sabe você também não aproveita e compra o livro que conta a história da banda? Esse livro é cheio de curiosidades bacanas como, por exemplo, o fato de eles terem feito uma tournée com o L7 pelo interior dos Estados Unidos e tocarem para públicos de – em média – 50 pessoas na platéia. Já imaginou como não devem ter sido estes shows? Eu morro de inveja de quem teve a oportunidade de assistir.

E já que eu falei em música, vou emendar com uma sugestão: Você curte acessar o YouTube, presumo. Afinal, são mais de 2.50 bilhões de pessoas que acessam o site diariamente. Certamente você está nessa lista. Minha recomendação a você nesse sentido é assinar o YouTube Premium. O Google (empresa dona do YouTube) está fechando o cerco contra as pessoas que usam bloqueadores de anúncios. Assim sendo, a maneira mais interessante de acessar o site sem ser interrompido constantemente é pagando. A minha dica é o plano familiar, que custa R$ 41,90 e você pode colocar até seis pessoas na família para curtir o site sem ver nenhum anúncio. A relação que eu fiz com a música anteriormente se justifica agora: quando você assina o YouTube Premium, ganha de lambuja o YouTube Music, serviço de streaming de música. A barganha acaba sendo bem sedutora porque o preço por pessoa fica abaixo do que se paga pela assinatura mais barata do Spotify, por exemplo. No Spotify você vai pagar 34,90 por mês no plano família. No YouTube, você paga 41,90 para as mesmas seis pessoas usarem um serviço de streaming de música e o YouTube. Eu acho que vale a pena e por isso te recomendo. Se você tiver muito apego às suas playlists criadas no Spotify, não tema. Há uma ferramenta bacana e gratuita que te ajuda no processo de migração destas playlists do Spotify para o YouTube Music. Já usei para migrar playlistss do Deezer pro YouTube Music e posso dizer com segurança que funciona muito bem.

Para terminar a lista de recomendações de hoje, uma leitura bacana e bem curta: um texto provocador do Ruy Castro sobre o nosso futuro tendo em vista as relações que estamos desenvolvendo com as telas… No que isso vai dar? Este texto é simples e rápido, deixando uma provocação bem interessante para a reflexão sobre as coisas que acabamos fazendo ao mesmo tempo. Será que não seria o caso de pensarmos e atuarmos no sentido de que menos pode ser muito mais?

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Seria “A geração ansiosa” apenas pânico moral?

Muito tem se falado sobre o livro “A geração ansiosa” do Jonathan Haidt. Eu mesmo falei sobre as ideias que o autor defende aqui e aqui. Sigo achando que o texto é bem importante e precisa ser trabalhado / discutido. É o que tento fazer neste post.

O livro figura entre os mais vendidos nas listas tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos desde o seu lançamento. Penso não ser por acaso. Quem está presente no processo de educação e formação de crianças, adolescentes e jovens adultos, tem percebido o impacto que as tecnologias digitais interativas tem proporcionado. Para o bem ou nem tanto.

Gostaria, dentro dessa proposta, de colocar o texto em pauta e falar sobre como ele está sendo tratado em alguns lugares que tenho visto / ouvido / lido. Peculiar que, pelo menos quatro pesquisadoras com produções bem sólidas e consistentes sobre o contexto digital e o comportamento e adolescentes tem colocado que as coisas que o autor fala em seu livro seriam puro pânico moral; minimizando os impactos colocados no livro referentes às mídias sociais e saúde mental – especialmente de adolescentes. Acho engraçado que parte dessas pesquisadoras têm tanta raiva parece do que está no livro dele que se recusam até a mencioná-lo pelo nome, mas fazem menção o tempo todo às colocações do livro e recentemente, elas se manifestaram em três podcasts diferentes sobre esse assunto, e isso é uma coisa bastante interessante de se perceber. Você pode ouvir estes episódios aqui, aqui, aqui e aqui. As pesquisadoras em questão são Candice Odgers, danah boyd, Alice Marwick e Devorah Heitner.

Já li um bocado de coisas escritas por todas estas autoras e uso com frequência textos escritos especialmente pela danah boyd e Alice Marwick em minhas aulas. O que elas falam tem grande peso e me ajudam bastante a entender o mundo e os impactos das tecnologias digitais interativas nas vidas de crianças e adolescentes. O que elas falam sobre o texto do Haidt precisa ser observado com atenção, porque há muitas críticas bem importantes a considerar.

Minha interpretação, no entanto, é a de que, apesar das críticas, o que Haidt trabalha em seu texto precisa ser assunto entre pais e educadores.

De fato, a gente tem que olhar as colocações do Jonathan Haidt em perspectiva e não colocar tudo o que está em seu livro como verdade absoluta ou mesmo entender que tem apenas o valor de face declarado por ele. A gente não deve fazer isso com nenhum texto de qualquer autor que seja, diga-se.  No entanto, parte das críticas das autoras mencionadas acima se relaciona a relação de causa e efeito que o Jonathan Haidt coloca entre uso de mídia social e  problemas de saúde mental em adolescentes. Tendo em vista esta relação que ele propõe entre o uso de plataformas sociais como causas de problemas observados na saúde mental de adolescentes, há que se compreender que, embora pareça ser evidente que existe uma relação, ela não necessariamente é de causa.

Vejam, temos – coletivamente – mais acesso a ferramentas, tratamentos, profissionais e demais aparatos de diagnóstico de saúde mental nos últimos anos. Isso, por si só, poderia ajudar a explicar o aumento de diagnóstico de condições relacionadas a piora de saúde mental das pessoas. No entanto, a gente precisa entender que as dinâmicas sociais são complexas e muitas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo. O aumento de diagnósticos coincide com a adoção de plataformas sociais em larga escala, mas também coincide com uma série de outros acontecimentos globais (guerras, mudanças climáticas, conflitos de diferentes tipos, desigualdade social, injustiças de toda sorte… a lista não para).

Isso não quer dizer que não exista qualquer tipo de influência.

O que quero dizer aqui é que, embora seja um pouco inocente e presunçoso postular categoricamente que a causa dos problemas de saúde mental enfrentado por adolescentes seja as plataformas sociais ou mesmo a emergência e uso dos smartphones, não dá para negar que as plataformas sociais influenciam nossa saúde mental. Mais sobre isso adiante.

As principais críticas das autoras citadas sobre o trabalho do Jonathan Haidt vão direto no ponto de que a relação que ele estabelece de correlação e causalidade entre uso de mídias sociais e declínio na saúde mental das pessoas é fraca e não há evidências suficientes de que seja essa a causa do problema que temos visto (isso não é especulação) na saúde mental das pessoas; em especial de adolescentes. Mesmo levando em conta o cenário a partir de 2019, enfatizado pelo autor em seus argumentos. Evidentemente estas críticas são muito importantes e precisamos sempre tomar cuidado para que não deixemos que fatos A e B que acontecem em um mesmo período sejam entendidos como tendo uma relação de causa e consequência entre si.

Mas fato também é que precisamos sempre tentar compreender o cenário geral em que um determinado fato se encaixa. O que o Jonathan Haidt fala encontra bastante relação com o que as pessoas percebem no dia a dia. Não por acaso, como escrevi no começo do post, o livro dele tem sido muito lido mundo afora.

Quando comecei a escrever este texto no dia 09 de julho o livro era o segundo mais vendido na lista do The New York Times, estando na lista por 14 semanas. Entendo que essa reverberação existe porque quem está reverberando o que o autor fala no livro está vendo coisas acontecerem. E é por isso que penso que temos que conversar sobre o assunto do livro.

Para quem não teve a oportunidade de ler o livro ou o artigo que ajudou a lançar o livro publicado na revista The Atlantic, recomendo acompanhar a fala do autor apresentando o livro e suas ideias em um evento bem bacana do Center for Humane Technology. Você pode assistir esta fala aqui:

O argumento mais eloquente que vai além da questão das relações de causalidade indicado pelas quatro autoras que mencionei antes vem de pessoas que discutem os impactos das tecnologias digitais interativas em nossas vidas com uma perspectiva tecno-otimista. Entendo ser o caso da jornalista Taylor Lorenz, que tem um excelente podcast sobre cultura digital chamado “Power User“. Uma das falas referenciadas acima foi publicada no podcast dela, quando entrevistou a danah boyd.

Taylor frequentemente critica o texto de Haidt classificando-o como pânico moral (danah boyd faz o mesmo). Recomendo em especial este vídeo da Taylor Lorenz sobre o assunto para ajudar a construir uma reflexão sobre o assunto:

Infelizmente uma coisa que penso ser importante para ajudar no contexto aqui não é possível replicar. Recentemente estava navegando pelo Instagram quando me foi recomendada uma postagem que a Taylor Lorenz comentou. O comentário dela foi justamente um grito para que não concordemos coletivamente com o argumento de Haidt sobre o que ela qualifica como panico moral.

Como disse – por causa da natureza da plataforma Instagram (que é um lixo) – eu não consegui localizar novamente esta postagem que lembro-me apenas ser de um veículo de notícia. O que me marcou nesse exemplo foi o comentário da Taylor Lorenz e as respostas que pessoas colocaram ao comentário dela… quando parei para ler as respostas das pessoas sobre o que ela havia comentado, chama atenção o que uma mãe falou para ela. Era mais ou menos assim “Taylor, conheço seu trabalho e gostaria de saber mais sobre isso, porque eu estou percebendo isso na minha casa”. Como esta, várias outras respostas mencionavam este aspecto de que as pessoas entendiam o argumento da jornalista, mas estavam percebendo justamente que os adolescentes e crianças de seu convívio demonstravam problemas ou dificuldades relacionadas a saúde mental, sem mencionar as questões relacionadas às dinâmicas familiares impactadas pelo uso de dispositivos móveis.

O isso que a mãe faz alusão na resposta à jornalista é o definhamento da saúde mental de jovens. É o que eu estou percebendo também em meus círculos. Então isso é uma coisa importante de levar em consideração (não apenas por estes dois exemplos, mas pelo contexto geral que vivemos). Há indícios de que as pesquisas faladas ou mencionadas pelo Jonathan Haidt sejam fracas para que se estabeleça a relação de causalidade que ele estabelece no livro. Quanto a isso, entendo ser algo acertado.

Por outro lado, há de se perceber que estamos vivenciando questões graves relacionadas às mídias sociais às plataformas sociais principalmente. Estas questões se relacionam e têm impacto direto na saúde mental das pessoas.

Então, o que quero dizer é que vai ser muito inocente de nossa parte não considerar o contexto de conflito a gente coletivamente vê, por exemplo, desde 2013 no Brasil e que, também em virtude de período eleitoral, ganhou proporcóes mundiais em 2016 com as eleições presidenciais nos Estados Unidos.

A gente vê o que aconteceu aqui no Brasil em 2013 e 2014, que foi uma intensa movimentação política a partir da instrumentalização das plataformas sociais e como isso foi trabalhado trazendo consequências coletivas muito mais graves do que apenas brigarmos com parentes em grupos de WhatsApp. Tanto na eleição de 2018 quanto durante o período de pandemia a gente sofreu coletivamente consequências e desdobramentos que se deram em função do uso das plataformas sociais, da sua instrumentalização e apropriação política e da influência dessas plataformas no comportamento coletivo.

Portanto, reforço, vai ser muito inocente da nossa parte perceber isso no comportamento coletivo e organização política da sociedade e movimentação coletiva e comportamentos em volta de questões ideológicas na sociedade e separar outros possíveis desdobramentos, ponderando que as plataformas sociais não influenciam a saúde mental dos adolescentes e crianças.

Penso ser de uma inocência e deslumbre absurdos a gente perceber como o uso das plataformas afetas nosso coomportamento coletivo e influencia decisões políticas e eleitorais mas separar o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens adultos desse contexto. Estamos percebendo isso no mundo ao nosso redor, por isso penso que precisamos, claro, colocar essa leitura do Jonathan Haidt em perspectiva, olhando com o olhar crítico, mas também ter em conta que as plataformas sociais e os instrumentos de comunicação mediados por tecnologias digitais que temos usado proporcionam sim alterações sociais e individuais.

As críticas ao que Jonathan Haidt escreve não devem buscar invalidar por completo o que ele está registrando. Acho que necessário é focar na tentativa infeliz de estabelecer relação de causa e consequência. Este é o ponto realmente fraco de seu argumento. Entretanto, não creio que as considerações que ele faz sobre o definhamento da saúde mental de adolescentes e sua eventual relação com as mídias sociais sejam algo desprovido de conexão com a realidade.

Penso ser importante considerar e levar em conta que impactos referentes ao uso de tecnologias digitais interativas por adolescentes certamente existem. No entanto, entendo também que talvez não tenhamos desenvolvido ainda o instrumental metodológico necessário para poder fazer essa análise.

Nesse sentido, eu entendo que, quando o aparato metodológico apropriado para enxergar esta relação (uso de mídias sociais / smartphones e saúde mental)  a gente vai ver resultados desse impacto. Penso que veremos a manifestação desse impacto no futuro.

Então, essas crianças que estão se desenvolvendo hoje com a tela na frente dos seus rostos o tempo todo que elas estão crescendo e sendo alfabetizadas com o TikTok e congêneres, certamente apresentarão consequências disso em seus futuros. Apenas não temos ainda o instrumental metodológico necessário para falar ou para avaliar esse impacto agora.

Nesse sentido, interessante registrar que é bastante peculiar olhar com o olhar da formação que tivemos (pessoas que foram adolescentes nos anos 1980/1990) e que somos hoje os pesquisadores nas universidades; que tivemos uma formação como à que fomos expostos e ver argumentos de que o smartphone ou as mídias sociais não proporcionam um impacto na saúde mental do adolescente.

Nós não podemos simplesmente falar isso. Seguir com a argumentação tecno-otimista de que não há impactos é leviano porque estamos olhando o impacto que estes elementos tem na nossa vida como adultos e a experiência real do mundo palpável está nos mostrando / evidenciando outra coisa.

Por fim, penso que essa nota poderá ser útil pra organizar o argumento no seguinte sentido: não devemos nem podemos olhar a criança de hoje e falar que ela ou o adolescente com o celular em mãos o tempo todo não recebem impacto dessas tecnologias e das mídias sociais em suas formações. Declarar a ausência de influência com o olhar de quem já é formado, de quem foi formado com livros e que hoje é adulto, e, apesar de ter muita dificuldade, consegue identificar que o telefone precisa ficar desligado, por exemplo, é inocente demais. Olhar o adolescente que hoje fica exposto a telas durante todas as horas que está acordado e falar que isso não vai ter impacto em sua saúde mental é quase uma piada.

Os terríveis custos de uma infância baseada no telefone

Semana passada eu recebi um texto muito interessante na newsletter do The Atlantic que trata de como as telas de celular proporcionam impactos no crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes. O texto é uma espécie de resumo de um livro que está sendo lançado do Jonathan Haidt. Deixo a vocês uma versão que traduzi, aqui.

Resolvi gravar um vídeo falando um pouco sobre este texto:

Neste vídeo, além de fazer breves comentários sobrte o texto, eu falo das relações entre este material e algumas outras leituras, como o livro “It’s Complicated” da danah boyd, os livros “No enxame“, “Sociedade do cansaço” e “Sociedade da transparência” do Byung-Chul Han, o texto “Hiperativos” do Cristoph Türcke e também “O show do Eu” da Paula Sibilia.

Como achei que o vídeo acabou ficando um pouco curto, achei melhor complementar. Eis um segundo vídeo sobre o texto:

Gostaria de saber o que vocês acham sobre isso a partir dos seus comentários. Vocês tem percebido esta alteração no desenvolvimento das crianças e adolescentes?

Alguns comentários sobre a proibição do uso de IA pelo TSE para criar e propagar conteúdos falsos

Ninguém pediu, mas eu fiz uns breves comentários sobre a proibição do uso de IA pelo TSE para criar e propagar conteúdos falsos.

Com relação a essa regulamentação do TSE, de proibição do uso dessas ferramentas para criar e propagar conteúdos falsos, tem duas coisas que eu acho que são bastante interessantes de se prestar atenção.

  1. A primeira delas é que isso não veio do Congresso, que é quem elabora leis, então isso é uma coisa particular de se chamar atenção. Eu acho que é uma atitude interessante, porque a gente está em ano eleitoral, então o TSE tenta, de alguma maneira, dar uma resolução a esse assunto ou a essa questão em ano eleitoral, já que o Congresso não conseguiu fazer isso em tempo hábil.
  2. Sobre a resolução em si, eu acho que ela é interessante no sentido de não tentar inibir o uso dessas ferramentas, porque quando você faz isso de uma maneira irrestrita e ampla, você acaba eliminando a possibilidade de outras produções serem feitas, porque para contemplar o que demandaria a regulamentação, você acabaria evitando outro tipo de produção.

Nesse sentido, é possível que se use, mas a resolução está mirando nas coisas que são notoriamente inverídicas. Então, você colocar uma pessoa num lugar que ela não esteve, você colocar uma pessoa falando uma coisa que ela não disse, etc., isso é o que está na mira, e eu acho que é bastante interessante nesse aspecto, levando em consideração especialmente que nós estamos em ano eleitoral.

E tem uma outra coisa que é legal dessa resolução do TSE, que é a de colocar as plataformas como corresponsáveis. Então, isso é uma coisa realmente bastante interessante, porque se o material está nas plataformas, as plataformas ficam aí corresponsáveis e devem retirar esse material quando identificado for que eles são falsos. Só que aí tem todo um processo para evidenciar que isso é falso, evidenciar que a coisa não aconteceu, evidenciar que a pessoa não falou isso.

E aí a gente tem um período em que se publica o material até que o material seja retirado do ar. Então, isso é uma coisa complicada também. Na regulamentação, no que foi regulamentado pelo TSE, há a necessidade das plataformas de dedicarem espaço para que seja esclarecido que aquilo não era verdadeiro.

Mas ainda assim, como as plataformas são algoritmicamente manipuladas, a gente fica com uma dificuldade grande para verificar como que isso aconteceu de verdade. É claro que aqui a gente tem que ficar pensando em um monte de possíveis desdobramentos disso, mas é sempre complicado a gente ter esse tipo de exigência. O problema não é a exigência em si, mas como você vai conseguir fazer uma verificação de cumprimento daquela exigência, daquela demanda.

Resumindo

Penso que seja uma proposta bastante interessante porque ela não inibe o uso dessas ferramentas. A gente entende que o uso dessas ferramentas pode ser bastante benéfico porque ganha-se tempo para produção, ganha-se tempo automatizando processos e tudo mais quando a gente utiliza essas ferramentas de geração de conteúdo, de imagem, de texto. Isso pode ser interessante.

Porém, aí tem uma coisa que é muito legal da proposta que é a de focar naquilo que é inverdade, naquilo que é mentiroso. Colocar uma pessoa num lugar que ela não estava, colocar uma pessoa falando uma coisa que ela não disse. Nesse aspecto, isso é bastante interessante.

E prever a retirada e também dedicar-se espaço, tempo e alcance para que a verdade, depois de provada, seja colocada. Tem um desafio de fazer isso acontecer durante o período eleitoral, mas ainda assim é bem interessante que exista essa regulação.

O governo Lula precisa de um blog nos moldes do blog da Petrobras

(Estas reflexões começaram a ser escritas durante o período de transição do governo de Jair Bolsonaro e Lula, ao final de 2022. A ideia era recomendar que fosse adotada pelo governo Lula uma abordagem semelhante à que a Petrobras iniciou durante o período crítico da operação Lava Jato)

A digitalização da comunicação, evidenciada pela inserção das tecnologias interativas no cotidiano da sociedade, proporciona uma série de desdobramentos. Um exemplo desses desdobramentos é o deslocamento do poder que, no contexto de um mundo conectado, é também compartilhado com aqueles que outrora não dispunham do ferramental necessário para serem também emissores (Castells, 2015).

A agora ubíqua capacidade de indivíduos também poderem emitir informações neste suporte interativo evidencia um contexto comunicacional marcado pelas interações diretas entre a origem de uma informação e a sua audiência (Finnemann, 2011) demonstrando a formação de uma dinâmica menos transmissiva e mais dialógica, interativa e personalizada (Martinuzzo, 2014).

Neste contexto podemos perceber a emergência da comunicação direta; ou ao menos da entrega de informações diretamente de um emissor (que pode ser uma pessoa, uma marca, uma entidade de governo ou uma figura pública) e uma audiência que se dispõe a se conectar com este emissor, sem a intermediação de uma entidade de mídia; um veículo da mídia de massa (Oliveira e Mendes, 2020). A este fenômeno de conexão entre a fonte de informação e a sua audiência por meio de mídias digitais interativas, chamamos desintermediação. Embora o conceito de desintermediação venha recebendo críticas recentes (Taylor e Marx, 2023) – estas serão tratadas oportunamente em nova publicação – o potencial, mesmo com as intervenções relatadas por Taylor e Marx (2023) por parte das plataformas de mídia social, prevalecem.

Da mesma forma que nas relações entre indivíduos, a desintermediação provoca alterações na comunicação organizacional. Num contexto regido pela comunicação nas mídias de massa não era possível para as organizações estabelecer diálogos com a mesma facilidade ou com os mesmos recursos multimodais agora disponíveis. A Internet representa de forma consolidada este conjunto de recursos, considerados significativamente transformadores da cultura e da sociedade (Hjavard, 2015).

Criado como um espaço para funcionar como plataforma de conversação entre a organização e a sociedade (Lemos, 2009), o Blog da Petrobras, intitulado Fatos e Dados, representa bem um processo de desintermediação proporcionado pelas tecnologias interativas, já tendo sido, inclusive, objeto de investigações sobre convergência (Moschetta e Jacopetti, 2009; Träsel, 2009), o impacto no processo de produção de notícias (Loose e Franzoni, 2009) e a imagem da organização (Barbosa, 2012).

O blog da Petrobras faz parte de um conjunto de espaços conversacionais onde a organização pode estabelecer um contato direto com a sociedade com a oportunidade de construir a sua própria narrativa. Sua criação coincide com o período da história brasileira em que a Petrobras fazia parte do noticiário nacional em função das investigações relacionadas aos esquemas de corrupção descobertos envolvendo a empresa (Oliveira e Mendes, 2020). O blog Fatos e Dados se coloca, então, como uma fonte oficial de informações simplificadas e esclarecedoras da organização, abordando suas ações e esclarecendo eventuais problemas que possam ser desenvolvidos a partir de interpretações feitas sobre os fatos em publicações na internet e na mídia de massa.

Durante o governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, a Presidência da República se dirigia semanalmente por meio de vídeos transmitidos ao vivo em diferentes canais nas plataformas sociais comerciais (Soares, 2021). Este comportamento permitiu que o então presidente da república estabelecesse um canal de comunicação desintermediada – pelo menos potencialmente, visto que as plataformas sociais comerciais ainda realizam a intermediação conforme apontado por Astra Taylor em Taylor e Marx (2023) – com a sua audiência. Embora este tipo de ação seja eficiente em termos de conquista de um alcance potencial alto e uma comunicação dentro dos moldes da já abordada desintermediação, há uma questão importante a considerar sobre seu formato.

As transmissões ao vivo de Jair Bolsonaro enquanto presidente da república apresentavam um formato estético bastante questionável. A impressão é a de que se construía uma aura de espontaneidade e simplicidade bastante artificiais (Costa, 2023). Além disso, a linguagem utilizada e a forma que as informações eram tratadas deixavam uma impressão de que as decisões eram tomadas na base do improviso. Esta abordagem proporcionava inegavelmente uma aproximação com importante parcela da população que apoiava o presidente. No entanto, não havia nenhum princípio básico de jornalismo ou mesmo de comunicação organizacional aplicado nos conteúdos das transmissões. Além disso, faz parte da questão relacionada a essas transmissões ao vivo a ausência de qualquer tipo de verificação ou mesmo contextualização das informações passadas. Ao que parece ser, este tipo de abordagem era intencional e ajudou a criar enorme ruido na comunicação e nas dinâmicas envolvendo o acompanhamento noticioso do governo.

O conjunto de táticas operadas pelo governo Bolsonaro em suas transmissões ao vivo colaboraram de sobremaneira para o acirramento da polarização política no país e também para o crescimento no comportamento de descrença na mídia de massa e no jornalismo no Brasil bem como proporcionou vários episódios de espalhamento de desinformação no país.

A sugestão seria, portanto, a de que o governo Lula adotasse postura e táticas semelhantes às da Petrobras e não as que foram operadas pelo governo de Bolsonaro. Estabelecer um canal formal de comunicação direta e desintermediada por meio de um blog e não de uma plataforma social comercial. Além disso, a adoção de uma abordagem formal e institucional de transmissão da informação. Motiva esta sugestão a necessidade de uma recuperação de credibilidade do governo e da ideia de que processos estão sendo executados dentro dos trâmites formais e corretos. De igual maneira a adoção deste formato possibilitaria o escrutínio por parte da mídia de massa em uma dinâmica que poderia proporcionar uma retomada da credibilidade tanto da classe e dos processos pol;íticos quanto da própria midia de massa.

É fácil compreender como pode se parecer atraente e convidativa a adoção de uma estética informal de comunicação e a entrega de informações de forma desordenada (falsamente espontânea) por meio das plataformas sociais comerciais. Entretanto, a perpetuação desta estética pode proporcionar consequências ruins num longo prazo justamente porque isola a imprensa do processo e das dinâmicas comunicacionais que envolvem o governo e colabora com o crescente descrédito da população acerca da classe e dos processos políticos e, claro, da própria imprensa.

Infelizmente a escolha do governo Lula foi a de dar sequência a este tipo de abordagem com algumas adaptações. Esta abordagem tem se mostrado ineficiente porque, em primeiro lugar gera a possibilidade de comparação com o governo anterior (Nadir e Albernaz, 2023), o que já é ruim. Em segundo lugar não chega efetivamente a alcançar os mesmos resultados que o governo anterior junto à sua base, que se comporta de uma forma um pouco diferente daquela de seu antecessor.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Valéria Magalhães. Blog corporativo: uma ferramenta para fortalecer a imagem institucional. Revista Ciências Humanas, [S. l.], v. 3, n. 2, 2012.

CASTELLS, Manuel. O Poder da Comunicação. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

COSTA, Júlia Morena. Emulações da Precariedade e Autenticidade nas Cenas Bolsonaristas: Análises da Estética da Extrema-Direita Brasileira. Revista Letra Magna, v. 19, n. 32, 2023.

FINNEMANN, Niels Ole. Mediatization theory and digital media. Communications, [S. l.], v. 36, n. 1, p. 67–89, 2011.

HJARVARD, Stig. Da Mediação à Midiatização: a institucionalização das novas mídias. Parágrafo, [S. l.], v. 3, n. 2, p. 51–62, 2015.

LEMOS, A. Nova esfera conversacional. Esfera pública, redes e jornalismo, [S. l.], v. 6, n. 3, p. 9–30, 2009.

LOOSE, Eloisa B.; FRANZONI, Sabrina. Acontecimento: a inversão na relação entre jornalista e fonte de informação evidenciada no blog da Petrobrás. In: 2009, Anais[…]. . In: 7oENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO SBPJOR. [s.l: s.n.]

MARTINUZZO, José Antonio. Os públicos justificam os meios. São Paulo: Summus Editorial, 2014.

MOSCHETTA, A. P.; JACOPETTI, A. M. Convergência no jornalismo: o caso do blog da Petrobrás. SBPJor-ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO, [S. l.], v. 7, 2009.

NADIR, P.; ALBERNAZ, I. Flopou: Lula chega a 2,5 mi de visualizações com 10 lives semanais. 23 ago. 2023. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/governo/flopou-lula-chega-a-25-mi-de-visualizacoes-com-10-lives-semanais/>. Acesso em: 3 jan. 2024.

OLIVEIRA, Caio C. G.; MENDES, Laila A. Organizações Midiatizadas: um olhar sobre as narrativas percebidas no blog da Petrobras e em outras publicações na Internet sobre a nova gasolina brasileira. In: 2020, Anais [….]. . In: 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. [s.l: s.n.]

SOARES, Mônica Melchiades. Populismo e pós-verdade na gestão do primeiro ano da pandemia do Coronavírus no Brasil: as lives semanais de Jair Bolsonaro no YouTube. 2021. Tese de Doutorado. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

TAYLOR, A.; MARX, P. Why tech makes us more insecure. Tech Won’t Save Us, 21 dez. 2023. Disponível em: <https://www.techwontsave.us/episode/199_why_tech_makes_us_more_insecure_w_astra_taylor>. Acesso em: 3 jan. 2024

TRÄSEL, Marcelo. Comunicação mediada por computador e newsmaking: o caso do blog da Petrobras. In: 2009, Anais[…]. . In: XXXII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. [s.l: s.n.]

Mastodon / fediverso e idiomas

Depois de 48 horas, terminou a enquete que eu coloquei no Mastodon para saber se as pessoas seguiam perfis que publicavam conteúdo em idiomas diferentes daqueles que elas falam nativamente. Foram 4255 votos e 792 compartilhamentos. O alcance que esta enquete teve superou qualquer expectativa que eu poderia ter. Com apenas pouco mais de 650 seguidores quando comecei a enquete, ela chegou a quase sete vezes o número de pessoas que representam a minha audiência potencial inicial na plataforma.

Para além da questão do alcance, os resultados da pergunta de minha enquete foram bem interessantes. Para muitas pessoas que responderam e comentaram isso parece óbvio e algo que nem precisava ter uma pergunta para saber. No entanto, uma coisa parece passar desapercebida para a maioria das pessoas quando o assunto é a plataforma Mastodon e o fediverso no geral: como o mastodon / fediverso não recebe interferência algorítmica no processo de seleção e sortimento dos posts e na montagem dos feeds, aqui temos mais acesso a postagens de pessoas que escrevem em outros idiomas.

Em plataformas com interferência algorítmica, como as plataformas comercialmente exploradas, isso acontece o tempo todo. Assim, naqueles espaços, o que acontece é que – mesmo que você opte por seguir uma pessoa que escreve em outro idioma – os algoritmos de sortimento e exibição de postagens operam para que você não veja estas postagens ou veja menos postagens de idiomas que não são o seu idioma nativo. Os algorirmos partem do pressuposto de que você fala apenas o idioma de seu sistema ou aquele que você sinalizou interagindo nas primeiras postagens que você viu na plataforma quando começou a utiliza-la (claro que sinais como localizaçào geográfica do aparelho e a localização declarada do endereço IP associado a você quando criou seu cadastro interferem também; são muitos os sinalizadores).

Em plataformas que não são manipularas por algoritmos, como o Mastodon, isso não acontece. Assim, se você opta por seguir cinco perfis de pessoas de cinco países diferentes que postam suas publicações em cinco idiomas diferentes, você vai ver tudo o que estas pessoas publicam. Isso muda de forma substancial as possibilidades de interações com diferentes pessoas e as eventuais relações que se constroem nestes ambientes. Foi para tentar descobrir como as pessoas se relacionam com este conteúdo que eu fiz a enquete.

Agradeço enormemente a todos que responderam e participaram! Aprendi muito com os comentários e os relatos de uso.

Vamos continuar usando o Mastodon / fediverso para conhecer mais pessoas e mais ideias legais e encurtarmos as distâncias, inclusive removendo as barreiras de linguagem!

O Mastodon (na verdade, o fediverso) é o lugar para estar

Eu uso plataformas sociais desde que elas apareceram. Estou conectado e postando há mais tempo do que gosto de admitir.. 🙂

Confesso que meu entusiasmo pelo Mastodon (e pelo fediverso, claro) só aumenta a cada dia.

Hoje pela manhã eu tive a ideia de perguntar para as pessoas que me seguem (pouco mais de 650) no Mastodon se elas seguiam pessoas que falam / postam em outros idiomas que não o seu idioma nativo (link para o post). Quis saber isso porque eu interajo bastante com pessoas que falam outros idiomas na plataforma. Queria saber se meu caso era comum.

 

Nem nos meus sonhos mais ousados eu conseguiria este alcance e este engajamento em outra plataforma. Eu tinha mais de 1300 seguidores no Twitter quando apaguei a minha conta e já cheguei a ter mais de 800 seguidores no Instagram.

Nunca, jamais, qualquer postagem minha naquelas plataformas chegou perto disso. No Mastodon eu tenho pouco mais de 650 seguidores e esta minha postagem recebeu mais de 230 compartilhamentos e a enquete mais de mil e duzentos votos em cinco horas.

O mastodon e o fediverso são o lugar para estar. Olha que eu não vivo de produzir conteúdo. Imagino que a coisa seja ainda mais bacana para quem trabalha com isso.

O potencial é gigantesco.