Como você enxerga a evolução do engajamento nas redes sociais ao longo dos últimos anos, especialmente com o crescimento das plataformas digitais e novas ferramentas de interação?
Eu entendo que por engajamento estamos nos referenciando à possibilidade de as pessoas iniciarem conversas entre si e com marcas e à possibilidade de marcas também fazerem isso com pessoas ou grupos de pessoas. Certo?
Acho que isso é uma coisa muito legal que a internet proporciona para o coletivo e que as plataformas sociais ajudam a tornar ubíquo. Entretanto, há que se considerar a relação de dependência que pode ser construída para com as plataformas. Pensando com a mentalidade de um publicitário, enxergo isso com um pé atrás. A gente tem se acostumado tanto a nos comunicarmos por meio de plataformas fechadas e controladas por empresas que eventualmente isso pode ser ruim, caso estas empresas resolvam mudar algumas regras do processo para maximizar seus ganhos.
Como você avalia o impacto do engajamento dos brasileiros nas redes sociais nos últimos anos?
Complementando o que disse anteriormente, eu vejo isso de uma maneira inicialmente positiva.
Obviamente o receio nasce quando as coisas começam a sair do controle. Observando do ponto de vistas de um publicitário que trabalha a gestão de marcas nestes ambientes, é importante que a gente tenha canais de comunicação com os consumidores mas que não fiquemos reféns destes canais.
Já pensando do lado do cidadão, o aumento e a prevalência das interações acontecendo por meio de plataformas não necessariamente é algo sempre positivo. As plataformas podem proporcionar acesso e alcance à pessoas que vivem isoladas, que estejam distantes fisicamente de seus interlocutores e outras situações em que suas vozes dificilmente seriam ouvidas ou seus discursos percebidos. Por outro lado, se a gente for olhar a média de tempo que ficamos conectados às plataformas e – principalmente – o que coletivamente fazemos lá, daí é para ficar um bocado preocupado porque vemos que as pessoas em boa parte optam por apenas consumir passivamente conteúdo e pouco interagem ou mesmo refletem criticamente sobre o que chega.
Esta questão é um tanto quanto preocupante. Veja bem: Passamos os últimos 70 anos sendo bombardeados pela mídia de massa com mensagens que não permitiam uma resposta individual ou coletiva por parte da audiência em condições iguais de formato e alcance. De repente a gente agora tem um monte de ferramentas que nos capacitam a fazê-lo. Isso inicialmente é ótimo. Todo mundo agora tem poder de se transformar em emissor. Só que durante os 70 anos que fomos bombardeados pela mídia de massa, pouco se desenvolveu a capacidade crítica e avaliativa de observar criteriosamente aquilo que chega.
Então, agora a gente tem um ambiente caótico em que circulam mensagens em todas as direções das mais diversas origens e estamos apenas rolando telas coletivamente refletindo pouco ou quase nada sobre aquilo que aparece para a gente ver.
Como é o comportamento do público brasileiro nas plataformas digitais de redes sociais?
Não acredito que existe uma diferença muito grande entre o comportamento de brasileiros e de pessoas de outras nacionalidades a ponto de ser algo que cause distinção. O que se percebe, normalmente, é que existe uma tendência a nos agruparmos em conjuntos de pessoas com pensamentos semelhantes em comunidades digitais. Isso pode ser bem interessante. Entretanto, a natureza dos modelos de negócio das plataformas as leva a desenvolver formas de nos apresentar apenas conteúdos referentes àquilo com o que concordamos ou que, de acordo com os cálculos das plataformas, temos maior probabilidade de gostar. Assim acontece a manipulação algorítmica que proporciona o que autores como Zeynep Tufekci, Byung-Chul Han, Andrew Keen, Evgeny Morozov e Márcia Tiburi chamam atenção para – cada um com uma posição peculiar – a respeito das dinâmicas que se estabelecem.
Estes autores falam dos malefícios de a gente se relacionar prioritariamente por meio de plataformas indicando que desenvolvemos comportamentos fascistoides, desaprendemos a conversar com o outro e a lidar com ideias diferentes das nossas e nos maravilhamos com aquilo que nos reforça apenas nossos valores já consolidados; tudo isso enquanto clicamos em infinitos anúncios.
O engajamento nas redes sociais tem sido crucial para as empresas no Brasil, principalmente para pequenas e médias empresas. Como as grandes corporações e figuras públicas aproveitam e incentivam esse engajamento do povo brasileiro? Teria algum exemplo recente?
Eu vejo claramente o ambiente híbrido descrito por Manuel Castells em “O poder da comunicação”. Nele, corporações multinacionais, instituições de governo, veículos de mídia, organizações sociais de diferentes portes e indivíduos estão interagindo em múltiplas dinâmicas concomitantes.
As empresas que conseguem estabelecer diálogos com seus consumidores tendem a tirar melhor proveito sempre. Saber ouvir e saber conversar com os públicos é crucial e necessário para a sobrevivência de qualquer iniciativa.
Relativamente recente é o caso de como o Google usou seu poder para direcionar a opinião popular com relação à proposta da PL 2630. Em 2023 o Google colocou em sua página inicial uma chamada para as pessoas lerem e conhecerem (claro, sob a ótica dos interesses comerciais da empresa) sobre os “malefícios” da PL. Este foi um claro caso de uma empresa com muito interesse em ver a atividade de plataformas não passar por qualquer regulação que ameace seus lucros atuar para direcionar a opinião popular. Funcionou; tanto que a PL foi engavetada e a discussão sobre o assunto retrocedeu muito.
Como o comportamento do público brasileiro favorece a disseminação de fake news?
Como disse anteriormente, não apenas o comportamento do brasileiro, mas sim de pessoas em geral. A gente rola a timeline da plataforma e vê uma coisa que se alinha com a nossa forma de pensar. É algo que a gente acha que é bacana, que gosta e que se alinha com as ideias ali presentes. A gente imediatamente compartilha sem olhar mais aprofundadamente de onde veio a informação, não se preocupa em saber quem fez aquilo e nem quais os interesses por trás daquilo. A gente apenas compartilha. Assim a desinformação circula como fogo em mato seco.
Considerando sua experiência acadêmica e profissional, como você vê o futuro das redes sociais no Brasil nos próximos 5 a 10 anos? Que tendências você acredita que marcarão o engajamento digital dos brasileiros
Infelizmente eu não vejo um futuro muito bacana. A eleição de Donald Trump evidenciou que quando um bilionário, como o dono do Twitter, atua, pode influenciar muito mais do que os seus negócios e resultados. Isso deixou outros bilionários mais animados; o que nunca é bom.
Para alinhar-se com a visão propagada por Donald Trump e os ideias que ele diz representar, a Meta já anunciou mudança nas políticas de moderação de conteúdo em suas plataformas. O que temos aprendido ao longo dos anos é que a solução para o problema de disseminação de desinformação não é reduzir as equipes e/ou eliminar políticas de moderação de conteúdo. É justamente o contrário. Assim, as ações já colocadas em operação pela Meta por si só vão causar grande estrago. Como o caminho é o de que outras plataformas sigam essa orientação, não dá muito para ver um futuro bacana nesse aspecto.
Para complementar, iniciativas como a de uma web livre de manipulação algorítmica (como o Fediverso) ainda têm um alcance muito restrito. Enquanto temos mais de 300 milhões de pessoas ainda usando o Twitter, por exemplo, o número de pessoas que usa o Mastodon não chega a 2 milhões. É certo que o número de pessoas que descobre o Fediverso cresce a cada dia, mas ainda está muito aquém das plataformas onde a desinformação corre livre.
Quais os impactos que essa exposição excessiva dos brasileiros nas redes sociais pode gerar na saúde mental?
Resposta curta: os piores possíveis.
A gente já sabe porque isso tem sido evidenciado em trabalhos ao longo dos anos. Em adolescentes a exposição prolongada a telas, especialmente o consumo de informação em plataformas sociais, como evidenciado em um interessante trabalho publicado em 2024 por Matos e Godinho1, os impactos relacionados à saúde mental em adolescentes incluem o bullying no contexto das plataformas e seus impactos, a comparação social negativa por causa da superexposição a postagens de enaltecimento pessoal dos outros e a exposição a conteúdos prejudiciais, que acabam por influenciar as pessoas a desenvolverem comportamentos de autodepreciação trazem impactos negativos na saúde mental dos usuários.
Além deste trabalho, o que o professor Christoph Turcke fala bastante sobre como o uso de telas e o consumo de informações por meio de plataformas na internet pode ser prejudicial para nosso desenvolvimento como pessoas no livro “Hiperativos!”. De forma complementar, as reflexões de Byung-Chul Han em “No enxame”, “Sociedade do cansaço” e “Sociedade da transparência” evidenciam como nossos comportamentos mudaram a partir da adoção das plataformas em nossas vidas. Viver em um contexto de intensa e constante necessidade de performance e evidenciação de nossas vidas privadas a tudo e todos proporcionam desdobramentos graves para nossa saúde mental. As consequências disso já são conhecidas e envolvem a ansiedade, a depressão e baixa autoestima.
O estudo que citei é interessante porque nele os autores fazem uma análise de diferentes publicações que tratam do assunto nas Neurociências e na Psicologia. Para além de estudos como estes, temos as reflexões de Cathy O’Neil, que reflete sobre os impactos do uso de manipulação algorítmica em plataformas que usamos para os mais diversos fins no livro “armas de manipulação matemática”. A autora ressalta a nossa incapacidade de negociarmos individualmente com as plataformas o emprego destas ferramentas nos serviços que usamos. Ou seja: o uso de plataformas sociais comerciais parece implicar aderir a um contexto de manipulação algorítmica que é operado com o objetivo de nos prender nas plataformas pela maior quantidade de tempo possível a fim de proporcionar lucratividade às empresas que controlam estas plataformas a despeito das consequências à nossa saúde mental.
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1 Matos, K. A., & Godinho, M. O. D. (2024). A INFLUÊNCIA DO USO EXCESSIVO DAS REDES SOCIAIS NA SAÚDE MENTAL DE ADOLESCENTES: UMA REVISÃO INTEGRATIVA. REVISTA FOCO, 17(4), e4716. https://doi.org/10.54751/revistafoco.v17n4-035